segunda-feira, 29 de abril de 2013

O movimento estudantil como ato político e de cidadania


O movimento estudantil como ato político e de cidadania


Grêmios estudantis são entidades em que os estudantes desempenham uma atividade política, a qual denominamos de movimento estudantil – lugar onde todos exercem sua cidadania, ou seja: lutam por uma maior e melhor relação entre alunos e professores, bem como buscam uma formação escolar voltada para a realidade do país.

Em 1968 a ditadura militar proibiu a criação e funcionamento dos grêmios estudantis como força representativa dos discentes em suas respectivas escolas. No lugar dos grêmios foram instituídos os centros cívicos que não tinham autonomia e não podiam realizar atividades de natureza política, numa concepção alienada de que escola era lugar para estudar e não para fazer política. Os estudantes participaram dos centros cívicos, mas sempre lutaram pela volta dos grêmios estudantis livres.

Com a abertura política e o retorno à normalidade da vida cívil, em 4 de novembro de 1985, é sancionada a Lei 7.398 (Lei do Grêmio Livre), de iniciativa do então deputado Aldo Arantes e reinvidicada pela UBES – União Brasileira dos Estudantes Secundaristas. Esta lei redemocratizou as entidades de representação estudantil no âmbito da educação básica, possibilitando novamente aos secundaristas, o direito de se organizarem de forma autônoma através de grêmios estudantis. Esta conquista, também está ratificada no artigo 53 da Lei 8.069, de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente) que prevê o direito da criança e do adolescente à livre organização e participação em entidades estudantis.

Os grêmios devem realizar atividades de naturezas: esportiva; cultural, educacional; social, como também atividades políticas com vistas à organização e conscientização dos estudantes e envolvimento dos mesmos em reivindicações do nosso dia a dia, pois o grêmio se reveste em imprescindível mecanismo de unificação, união e luta de todo o movimento estudantil secundarista.. Assim, o grêmio colabora para a formação de um jovem cidadão mais crítico, participativo, condutor e sujeito de sua própria história.

Comunidade Escolar

O grêmio estudantil integra a comunidade escolar. Implica dizer que o mesmo participa de toda uma rede de atores, peculiares ao cotidiano da vida da escola. Instituições como conselho escolar e associação de pais e mestres contribuem, cada uma a seu modo, no crescimento e desenvolvimento da comunidade, numa visão de autonomia e gestão democrática do ensino.
 
Wilson Colares da Costalicenciado em Ciências Sociais, professor de Sociologia e autor do livro Grêmio Livre: história e diretrizes – Teófilo Otoni/MG.

A legislação sobre grêmios estudantis


A legislação sobre grêmios estudantis


A força do movimento estudantil na história do país e a importância da participação dos alunos nas escolas motivaram a elaboração de algumas leis que garantem a existência do Grêmio Estudantil. Elas definem os direitos dos Grêmios se organizarem. Vale a pena conhecê-las.

A Lei Nº 7.398, de novembro de 1985

Dispõe sobre a organização de entidades estudantis do Esnino Fundamental e Médio e assegura aos estudantes o direito de se organizar em Grêmios: 

PRESIDENTE DA REPÚBLICA

Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte lei:

Art. 1º – Aos estudantes dos estabelecimentos de ensino de 1º e 2º graus fica assegurada a organização de Grêmios Estudantis como entidades autônomas representativas dos interesses dos estudantes secundaristas, com finalidades educacionais, culturais, cívicas, desportivas e sociais.
§ 1º – (Vetado.)
§ 2º – A organização, o funcionamento e as atividades dos Grêmios serão estabelecidas nos seus Estatutos, aprovados em Assembleia Geral do corpo discente de cada estabelecimento de ensino, convocada para este fim.
§ 3º – A aprovação dos Estatutos e a escolha dos dirigentes e dos representantes do Grêmio Estudantil serão realizadas pelo voto direto e secreto de cada estudante, observando-se, no que couber, as normas da legislação eleitoral.

Art. 2º – Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 3º – Revogam-se as disposições em contrário.

Brasília, em 4 de novembro de 1985.
164º da Independência e 97º da República.


Lei Complementar Nº 444, de 27 de dezembro de 1985 

Esta lei dispõe sobre o Estatuto do Magistério Paulista. Em seu artigo 95º, ela fala sobre o Conselho de Escola (sua composição, atuação, atribuições): § 1º – A composição a que se refere o “caput” obedecerá à seguinte proporcionalidade: I – 40% de docentes; II – 5% de especialistas em educação, excetuando-se o Diretor de Escola; III – 5% dos demais funcionários; IV – 25% dos pais de alunos; V – 25% de alunos.


Lei Nº 8.069, de 13 de julho de 1990 

O Estatuto da Criança e do Adolescente, no artigo 53º inciso IV, garante o direito dos estudantes de se organizar e participar de entidades estudantis.


Lei Nº 7.844, de 13 de maio de 1992 

Esta é a lei que regulamenta o direito à meia entrada para estudantes em eventos de ordem cultural.


Lei Nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 

Esta lei estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. A partir dela, estão garantidas a criação de pelo menos duas instituições, a Associação de Pais e Mestres e o Grêmio Estudantil, cabendo à Direção da Escola criar condições para que os alunos se organizem no Grêmio Estudantil. A lei determina ainda a participação de alunos no Conselho de Classe e Série.
Fonte: Caderno Grêmio em Forma, do Instituto Sou da Paz.

Todos juntos somos fortes: a comunidade


Todos juntos somos fortes: a comunidade


O Grêmio Estudantil faz parte da comunidade escolar. Isso significa que
ele participa da rede de atores envolvida com o cotidiano da escola e comprometida com seu dia a dia (diretores, professores, funcionários, pais, alunos etc.).


Um Grêmio que estabelece uma boa rede de relações com os outros atores da comunidade escolar terá mais pessoas comprometidas com as ações que pretende realizar, e assim poderá ampliar o alcance e o impacto de suas iniciativas.

POR ISSO, É IMPORTANTE:

• Saber negociar com a direção da escola, mostrando sempre a importância e a necessidade daquilo que se pretende organizar.

• Buscar o envolvimento dos professores nos projetos, pois eles podem contribuir de formas muito diversificadas e ricas nas ações do Grêmio.

• Investir na comunicação do Grêmio: divulgar sempre e de diversas formas (por exemplo: por cartazes, rádio ou reuniões) as ações que o Grêmio realizou, está realizando e realizará.

• Ouvir as sugestões que os alunos trazem. Afinal, não podemos esquecer que o Grêmio existe para representá-los. Mas vale a recomendação: quando uma sugestão não é viável, é muito importante comunicar os alunos sobre a inviabilidade da ideia, afinal eles têm o direito de saber o porquê.

• Fazer parcerias com instituições (sociais, esportivas etc.) e estabelecimentos comercias da região: envolvê-los em gincanas, campanhas, ações sociais,
culturais e políticas da comunidade. Uma dica importante: não esqueça nunca de divulgar o nome dos parceiros que colaboram com o projeto, é uma medida justa e estratégica para futuros apoios.

• Nunca esquecer: sem trabalho em equipe não existe Grêmio! E sem Grêmio os alunos não podem explorar todas as suas ideias para mudar a escola.
 
Fonte: Caderno Grêmio em Forma, do Instituto Sou da Paz.

Respondendo dúvidas sobre grêmio estudantil


Respondendo dúvidas sobre grêmio estudantil



Onde encontramos informações sobre Grêmio Estudantil?
Em entidades representativas dos estudantes. Também está prevista na Lei Federal 9.394 de 20 de dezembro de 1996 a responsabilidade de diretores, professores e coordenadores pedagógicos repassarem aos alunos todas as informações solicitadas. Outra coisa interessante é conversar com pais e amigos que fizeram e fazem parte de movimentos estudantis, seguramente eles têm muitas experiências para compartilhar.

O Grêmio tem direito a uma sala na escola?
Sim. Mas se a escola não tiver nenhuma sala disponível para servir de sede permanente para o Grêmio, ao menos deve ser cedida uma para que as reuniões aconteçam.

Quais alunos podem participar da diretoria do Grêmio?
Qualquer aluno matriculado na escola, inscrito na chapa vencedora, poderá ser da Diretoria do Grêmio.
Os cargos serão discutidos pelos próprios membros da chapa, de acordo com as áreas de interesse de cada um.

Os integrantes do Grêmio podem sair da sala de aula quando houver necessidade?
Evitem marcar reuniões e atividades do Grêmio em horários de aula, pois participar do Grêmio não significa não participar das aulas! Pelo contrário, quanto mais envolvidos com as disciplinas, com os professores e com a Escola em geral, mais saberão o que propor e melhorar! Em casos urgentes, a saída é permitida apenas com autorização do professor ou da Direção da Escola. Para facilitar, os representantes de classe podem repassar as informações necessárias para os alunos em cada sala que representam.

O que se pode fazer com recursos financeiros captados pelo Grêmio?
Vocês podem utilizá-lo para organizar e promover atividades ou eventos do Grêmio. Por exemplo: comprar material para o cenário de uma peça de teatro, comprar um computador para a sala do Grêmio, um aparelho de som, promover uma excursão para um museu etc.
Mas atenção: nenhum membro do Grêmio pode ser remunerado.  A participação é voluntária.

O que acontece com os bens materiais que o Grêmio adquire?
Quando uma Diretoria encerra seu mandato e outra assume, os bens adquiridos permanecem no Grêmio Estudantil. Estes bens formam o patrimônio do Grêmio. No final de cada mandato ele será averiguado pelo Conselho Fiscal.
É muito importante haver transparência no gerenciamento, prática de prestação de contas periódicas do Grêmio e o incentivo à participação dos alunos nas decisões sobre como gastar recursos.

Onde começa e onde termina a autonomia do Grêmio?
O Grêmio atua de forma independente da Diretoria, Conselho de Escola e APM, ou seja, tem autonomia para elaborar propostas, organizar e sugerir atividades para a escola. Para realizá-las, no entanto, deverá contar com autorização da Direção ou do Conselho da Escola, pois as propostas deverão ser sempre discutidas e agendadas. É direito dos estudantes participar da organização do calendário e das atividades que serão realizadas na escola.
Quanto aos partidos políticos, eles fazem parte da nossa vida política e atuam nos movimentos sociais e estudantis, mas o Grêmio deve procurar agir sempre com independência e autonomia, respeitando a pluralidade dos alunos que representa. Cada estudante pode ter sua preferência político-partidária, assim como militar em favor dela, no entanto, ela não é condição necessária para a participação no Grêmio Estudantil.

A direção escolar pode proibir o Grêmio de realizar alguma atividade? E escolher seus representantes? E dizer quais atividades pode realizar?
Não. A Direção da Escola pode discutir parcerias e projetos com o Grêmio, mas suas atuações e prioridades serão definidas pelos estudantes.

O estatuto do Grêmio precisa ser registrado em cartório?
Depende. Se a Diretoria do Grêmio e a Direção da Escola não acharem necessário, uma cópia do Estatuto do Grêmio é anexada no livro de atas do
Conselho Escolar e outra cópia enviada à Diretoria de Ensino responsável pela escola. Isso já é suficiente para legitimar sua existência. Nos casos de Grêmios
que dispõem de recursos financeiros relevantes, e o coordenador geral é maior de idade, é interessante registrar o Estatuto do Grêmio em cartório para que se possa abrir uma conta bancária.
 
Fonte: Caderno Grêmio em Forma, do Instituto Sou da Paz.

quarta-feira, 24 de abril de 2013

Pais adolescentes, é hora de dividir responsabilidades


Pais adolescentes, é hora de dividir responsabilidades



Os adolescentes que se tornam pais precisam ser acolhidos com ternura e, na medida do possível, que sua experiência se torne positiva. Transformar uma situação como esta numa tragédia seria gerar mais problemas, como a rejeição da criança e constrangimentos para os pais adolescentes.
Diante de um fato concreto e complicado, a primeira atitude deve ser a acolhida. Porque ninguém merece mais ser acolhido do que aquele que está vivendo um momento difícil. Quando a gravidez não é algo planejado, premeditado, torna-se um problema complexo. Nestes casos não basta apenas dar uma lição de moral e apontar culpados, pois a causa é muito mais profunda; tem uma raiz sociológica.
Amor de pai
É dentro das escolas que se vê mais esta situação de pais adolescentes. Um dia desses, visitando uma escola, no curso de Magistério, entrei numa sala com 36 alunas. E lá havia quatro adolescentes grávidas. Perguntei à diretora como a escola tratava esta questão e ela respondeu: “como a maioria que estuda aqui é de mulheres, as meninas não sofrem rejeição. Pelo contrário, são até protegidas”. Você não veria esta atitude numa escola que não fosse predominantemente feminina. Numa escola mista há preconceito maior.
Uma das meninas, conversando comigo, relatou que não via há três meses o rapaz que a engravidou, e que seria justamente nesta hora que gostaria de segurar a mão dele, que precisaria do carinho dele. Ela disse que ao chegar em casa abraça a mãe, o pai, e que eles a entendem.
Sinto como se fosse na minha pele o que uma moça vive numa situação como esta. Percebo muitas vezes, na adolescente grávida, que ela busca muito mais o apoio paterno, do pai dela, do que do pai da criança. Naquela hora, não sei se é a criança ou a mãe adolescente que está precisando mais ser acolhida. É um drama, porque quando se fala de alguém com 13 ou 14 anos, falamos de alguém que é quase uma criança, ainda. Uma jovem nesta idade está precisando muito de formação para se educar como pessoa adulta.
O amor de pai de quem gerou este filho acontece naturalmente. Mas este pai pode sentir-se muito constrangido. E isto pode dar a impressão de que ele não ama a menina ou não gosta do filho. Talvez até nem ame o suficiente. Como diz a canção do Peninha: “Quando a gente ama é claro que a gente cuida; fala que me ama só que é da boca pra fora; ou você me engana ou não está maduro. Onde está você agora?” Até nesta canção popular está uma resposta para isto. Mas penso que o pai também vive um drama, precisa ser orientado para se conscientizar de que vale a pena estar perto, acompanhar, mesmo que não tenha planos de casamento.
Aprender com a experiência
É fundamental o adolescente-pai expressar sua paternidade, mesmo que não esteja preparado. É natural que se sinta fragilizado diante da situação, porque não tem economicamente como proteger o filho, depende dos seus pais. Mas aí os pais também podem orientar. Os pais precisam ajudar a encarar a realidade, apoiar para que o adolescente-pai participe da vida daquele alguém. Essa criança, mesmo não-planejada, vai precisar de amor. E aí, em primeiro lugar, é preciso entender este acontecimento. Tanto para a jovem grávida, quanto para o jovem que a engravidou. é importante que entendam o que está acontecendo. E isto, quem está de fora às vezes não percebe. E há uma cobrança enorme de responsabilidade.
A pior das violências que o ser humano sofre é ser exigido naquilo que ele não pode oferecer. Isso é preciso deixar claro para os adolescentes. Não adianta impor aos adolescentes uma responsabilidade de uma hora para outra. Não é assim. Não vamos nos iludir. A gente tem que ter um olhar de quem está dentro e um olhar de quem está fora do acontecimento. Mas quem está fora tem uma responsabilidade tão grande quanto quem gerou aquela vida.
Depois que a criança nasce, tudo muda. A criança é luz, é ternura quando chega. É impossível não se sensibilizar com uma criança que chega, mesmo num ambiente conflituoso.
Antonio Cardosocantor e compositor, Lins, SP.

Pai, figura importante na educação dos filhos


É um grande desafio educar filhos numa cultura como a nossa em que a instituição família se encontra em crise e as relações entre pais e filhos têm se tornado bastante problemática. Antigamente a participação do pai na educação dos filhos se limitava a impor ordens e disciplina.
Certamente um agravante para a desestrutura familiar da sociedade atual é a ausência dos pais na infância dos filhos, principalmente o pai. A ausência paterna pode gerar crianças desobedientes, inseguras e autoritárias, enquanto que a participação do pai juntamente com a mãe oferece para a criança um desenvolvimento mais sólido da personalidade porque o trabalho duplo oferece possibilidade maior de uma educação mais eficaz, equilibrada e humana.
A participação do pai pode começar na gravidez, através de um toque na barriga da mãe, de uma palavra de carinho, do acompanhamento nas consultas ao obstetra, entre outros, e obviamente deve continuar depois do nascimento, pois é essencial para criar vínculos e dar referência de comportamento. Antigamente a participação do pai na educação dos filhos se limitava a impor ordens e disciplina. Embora tenha ocorrido determinadas mudanças, essas são tímidas e pouco significativas.
Quando a questão é educar os filhos, a figura materna é colocada em evidência, como se a responsabilidade de educar fosse exclusiva da mãe. Na maior parte das famílias a mulher é quem se preocupa com questões fundamentais como alimentação, vestimenta, saúde, desempenho escolar, entre outros, sendo assim a mulher é quem ainda tem a responsabilidade de educar os filhos.

Pai, figura importante na educação dos filhos



É preciso lembrar que hoje o papel do pai não se resume apenas a exercer autoridade e garantir a segurança financeira à família. Não estamos mais na pré-história, período em que as mulheres cuidavam dos filhos enquanto os homens se encarregavam de buscar alimentos. Ainda hoje podemos notar a permanência dessa divisão de papéis.
É notório que existe ainda uma ausência exagerada do pai na educação dos filhos, o que pode resultar em consequências psicológicas para as crianças, pois a participação do pai serve como parâmetro de comportamento, tornando-se fundamental na construção da autonomia.
Essa participação é tão importante na hora de estabelecer limite quanto na hora de atribuir liberdade, pois, é através disso que a criança vai encontrar suporte emocional e se construir como pessoa humana.
Não está sendo defendida aqui a ideia de que o pai deixe de trabalhar para ficar em casa com os filhos, mas que disponha de um tempo do seu dia para brincar, contar histórias, conversar e cultivar sentimentos de dignidade e competência nos filhos. Afinal é assim que construímos cidadãos éticos. 
Sandra Soares Sarmentopedagoga e pós-graduada em Psicopedagogia pelo Centro de Ensino Superior São Francisco (CESSF), São João do Rio do Peixe, PB.

A relação professor x aluno vista pela perspectiva da emoção


A relação professor x aluno vista pela perspectiva da emoção


Ensinar é um processo no qual seus elementos principais – professor e aluno – devem se ajustar na mediatização do conhecimento. Esse “ajuste” é condição essencial e necessária para que o saber seja proveitosamente trabalhado.
Uma relação professor-aluno que seja marcada pela tensão ou pelo medo ou que se desenvolva verticalmente opressora é a causa de boa parte dos fracassos escolares, embora saibamos que fatores sócio-econômicos decorrentes de uma relação familiar desajustadamente estabelecida pesem sobre a “decisão” de muitos alunos de simplesmente evadirem da escola.
É natural no ser humano a necessidade de relações interpessoais calorosas e emocionadas, arrebatadoras e transformadoras. Isso se reflete na educação. Assim, quando ouvimos um aluno dizer gostar (quiçá amar) de disciplinas historicamente marcadas pelo trauma da não-aprendizagem – como é o caso da Matemática, por exemplo – sabemos, intuitivamente, que o seu gostar é fruto de uma relação com o professor pautada na amizade, no respeito mútuo e no seu conseqüente progresso educativo.
Contudo não se pode reduzir um processo complexo, como o da aprendizagem, ao simples estabelecimento de uma relação amigável entre professor e aluno. Se assim o fosse seria fácil. Aliás, é, também comum, por parte do aluno, a confusão dos papéis que ambos – ele e seu mestre – desempenham no processo educativo. Cabendo sempre, obviamente, ao professor, o controle e a busca de uma relação respeitosa com o educando.
Já não cabe na escola de hoje o professor ditador que, ao oprimir seu aluno o priva de seu desenvolvimento e da sua liberdade de pensamento. Nem o professor “bonzinho” que, sendo permissivo e não dando-lhe as balizas necessárias, o “prende” à idéia de uma falsa liberdade. O que o professor necessita, assim, é criar uma terceira forma de relação com o aluno, não maniqueísta e mais voltada para a sua emoção visando naturalmente alcançar seu intelecto.
Falando em emoção é natural lembrarmos do professor Keating do filme “Sociedade dos poetas mortos”. Brilhantemente interpretado por Robbin Williams, Keating é o arquétipo do professor inovador: emociona e ensina sem ser libertino; instiga e provoca o que há de mais genuinamente humano no aluno sem perder o respeito deste. Em suma, é uma explosão de movimento, criatividade e emoção.
Difícil imaginar uma relação professor x aluno que prescinda do afeto e do respeito mútuos. Sem dúvida alguma é exatamente assim que o conhecimento pode ser emocionantemente trabalhado. Viva o professor Keating!
Leonardo Batista da SilvaProfessor de Língua Portuguesa.

Paulo Freire e a reinvenção do ato educativo


Paulo Freire e a reinvenção do ato educativo


Hoje, mais do que em outras épocas, se exige do educador uma postura alicerçada num processo permanente de reflexão que leve a resultados inovadores no trato da educação. Sem dúvida, as contribuições de Paulo Freire levam o educador à consciência de si enquanto ser histórico que continuamente se educa num movimento dialético no mundo que o cerca. Não é, pois, por acaso que as ideias freireanas se articulam com os interesses na formação do educador, pois não se perde de vista o caráter histórico do homem associado sempre à prática social.

Paulo Freire, Pernambuco, nascido em 1921, no Recife, contribuiu como poucos na reflexão do homem e seu compromisso com a sociedade. Este movimento de ser homem é pensado no seu percurso reflexivo que permite ser objetivado na medida em que é passível chegar aos espaços de formação de educadores, quer na formação inicial, quer na formação em serviço, a fim de torná-los capazes de transformações necessárias às práticas educativas e pedagógicas.

Nesse sentido, as ideias freireanas servem como orientação para o processo de formação docente no que se refere à reflexão crítica da prática pedagógica que implica em saber dialogar e escutar, que supõe o respeito pelo saber do educando e reconhece a identidade cultural do outro.
Educação problematizadora x educação bancária
Freire não se limitou a analisar como são a educação e a pedagogia, mas mostra uma teoria de como elas devem ser compreendidas teoricamente e como se deve agir através de uma educação denominada libertadora. Para ele, educação é um encontro entre interlocutores, que procuram no ato de conhecer a significação da realidade e na práxis o poder da transformação.
Entende-se por pedagogia em Freire a ação que pode e deve ser muito mais que um processo de treinamento ou domesticação; um processo que nasce da observação e da reflexão e culmina na ação transformadora.
Paulo Freire desnuda a concepção bancária de educação. É uma crítica à educação que existe no sistema capitalista, alicerçada nos princípios de dominação, de domesticação e alienação, transferidas do educador para o aluno através do conhecimento dado, imposto, alienado.
Em uma das suas principais obras, Pedagogia do Oprimido (1983), Paulo Freire discute essa concepção: em que o educador é o que educa; os educandos, os que são educados; o educador é o que sabe; os educandos, os que não sabem; o educador é o que pensa; os educandos, os pensados; o educador é o que diz a palavra; os educandos, os que a escutam docilmente; o educador é o que disciplina; os educandos, os disciplinados; o educador identifica a autoridade do saber com sua autoridade funcional, que opõe antagonicamente à liberdade dos educandos; estes devem adaptar-se às determinações daquele; o educador, finalmente, é o sujeito do processo; os educandos, meros objetos.
Este desnudamento serve de premissa para visualizar o poder do educador sobre o educando e como consequência à possibilidade de formar sujeitos ativos, críticos e não domesticados. Como se vê, a opressão é o cerne da concepção bancária. Para analisar esta concepção que se fundamenta no antidiálogo, Freire (1983) apresenta características que servem à opressão. São elas: a conquista, a divisão, a manipulação e a invasão cultural.
O “método Paulo Freire”
Apesar da insistência com que se fala, às vezes, nessa história do chamadométodo Paulo Freire, eu tenho a impressão, talvez um pouco imodéstia agora, que se trata muito mais do que de uma certa compreensão geral da educação, de uma maneira de praticar educação do que de um método. A questão vai além do método (Freire, 1979). Paulo Freire era um pensador, bem além de seu tempo e como tal não se limitava a métodos. Para ele a educação estava além dos métodos e antes e acima de tudo era um ato político. Para ele o dado fundamental de todas as coisas do mundo é o diálogo. O método é secundário. O diálogo para ele é o sentimento do amor tornado ação.
O que Freire propõe é uma compreensão geral acerca da educação, da maneira de se praticar a educação. Esta compreensão, é claro, tem a ver com prática e esta prática tem a ver com um método. O método está contido nesta compreensão geral acerca da educação. Mas o que Freire nos propõe está muito além do método, está nos questionamentos acerca da própria educação, que para ele está na e fora da escola, da forma que hoje esta se coloca para os educandos onde quer que estes estejam. Por se referenciar também na fenomenologia, Freire está sempre em busca do conhecer, do mergulho empático na cotidianeidade do educando como fator essencial na construção do currículo.
A pedagogia do diálogo e o ato de liberdade
Paulo Freire sempre esteve à frente de seu tempo e, apesar de se referenciar no marxismo e na fenomenologia existencial, ele não se limita essas concepções, elas não funcionam como uma camisa de força para este educador visionário. Criando um pensamento pedagógico único e totalmente original, suas ideias se espalharam pelo mundo através de seus escritos. Ele não separava a educação e a política. Para ele a educação é um ato político: “a leitura da palavra deve ser inserida na compreensão da transformação do mundo” (Freire, 1989), ou seja, ao se viabilizar a leitura da palavra, o educador estaria ao mesmo tempo levando o educando a ler o mundo. E isto para ele é um ato político, pois está ligado a mudanças políticas e sociais.
Paulo Freire acredita que o dado fundamental das relações de todas as coisas no mundo é o diálogo. O diálogo é o sentimento de amor tornado ação, o diálogo amoroso, que é o encontro dos homens que se amam e que desejam transformar o mundo.
Segundo Freire, o diálogo não é só uma qualidade do modo humano de existir e agir. O diálogo é a condição desse modo, é o que torna humano o homem. O relacionamento professor-aluno precisa estar pautado no diálogo, ambos se considerando sujeitos no ato do conhecimento, numa relação horizontal. O autoritarismo tradicional que permeava a relação da educação tradicional precisa ser banido para dar lugar à pedagogia do diálogo. Contudo esta relação horizontal não acontece de forma imposta. Ela ocorre naturalmente quando educando e educador conseguem se colocar na posição do outro, tendo a consciência de que, ao mesmo tempo, são educandos e educadores.
Na pedagogia do diálogo insere-se também o conceito de educação para Freire, onde ninguém sabe tudo e ninguém é inteiramente ignorante. A educação não pode ser diminuidora da pessoa humana. Ela precisa levar à redenção. Por isso uma educação que reprime não é a que redime. Para Freire nós nos educamos em comunidade. Sua busca era por uma educação comprometida com os problemas da comunidade, o local onde se efetiva a “vida do povo”. A comunidade para ele é o ponto de partida e de chegada.
Portanto a Educação é um processo permanente. Ela não se esgota nos minutos de cada aula, não se prende aos muros escolares, exatamente porque não acontece exclusivamente na escola. Segundo Freire, nos educamos a vida inteira. Até o momento da morte para ele se constitui num ato educativo.
Márcio Balbino Cavalcanteprofessor, geógrafo e mestrando em Geografia, Passa e Fica, RN.

Desafios do Ensino de Arte


Desafios do Ensino de Arte


Um dos grandes desafios do ensino de Arte na contemporaneidade é tornar-se uma disciplina reconhecida por alunos e professores dos outros componentes curriculares, já que a mesma recebe, ainda, o estigma de apêndice para as outras disciplinas na Educação Básica.
A Arte, como disciplina escolar, possibilita o estudo de saberes em arte presentes na cultura e articulados pela linguagem verbal e não verbal, tendo como objeto específico o conhecimento estético. Como parte de um sistema social, carrega consigo não só reflexos ideológicos, mas uma carga ideológica, muitas vezes a ela atribuída. Nesse sentido, reforça a desigualdade social quando limita o acesso e o domínio dos saberes, pela distância entre este conhecimento e as classes menos favorecidas.
Sabemos que as linguagens da Arte ainda são pensadas no contexto da educação institucionalizada prioritariamente como um meio eficaz para alcançar conteúdos disciplinares com objetivos pedagógicos muito amplos, como por exemplo, o desenvolvimento da criatividade, apesar desse pensamento já estar mudando em algumas instituições de ensino. Temos hoje trabalhos divulgados acerca do ensino dessas linguagens não como um apêndice para outras disciplinas ou desenvolvimento da criatividade, mas como conteúdos necessários para fazer e compreender arte.
Apesar de todos os esforços para o desenvolvimento de um saber artístico na escola, verifica-se que a Arte, historicamente produzida e em produção pela humanidade, ainda não tem sido suficientemente ensinada e apreendida pela maioria dos jovens brasileiros, pois a mesma surge como reprodução e não como reflexão na escolarização básica sem re-significação dos conteúdos abordados, re-elaboração dos saberes em Arte por professores e alunos.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais em Arte, uma das novas propostas na atualidade para o ensino de Arte, traz como eixo principal as quatro linguagens artísticas que podem ser trabalhadas em sala de aula. Entretanto este documento aponta para um ensino de Arte pautado na LDB nº 5692/71 em que a falta de uma preparação de pessoal para entender Arte antes de ensiná-la gerou arte-educadores polivalentes. A nosso ver, a proposta dos PCNs na área de Arte é ambiciosa e complicada de ser viabilizada na realidade escolar brasileira. Para a sua aplicação efetiva, seria necessário poder contar com recursos humanos com qualificação, o que implica desde a valorização da prática profissional até ações de formação continuada e acompanhamento pedagógico constante, além de recursos materiais que atendessem às necessidades da prática pedagógica em cada linguagem artística.
Sendo assim, as propostas dos Parâmetros serão realizadas apenas na medida dos recursos humanos disponíveis. Assim, se o professor de Arte de uma dada escola for formado em Teatro, por exemplo, será esta a linguagem artística contemplada no currículo. Uma outra variante desta situação, que já começa a ter lugar em estabelecimentos particulares, é a escola escolher a(s) modalidade(s) artística(s) que considera mais conveniente(s) para os seus interesses, contratando um professor com formação adequada. Neste caso, podem pesar argumentos acerca da conveniência de evitar reclamações dos pais na hora de comprar material para as aulas de Artes Visuais, ou então sobre como determinado campo da arte pode contribuir para o marketing da escola - ao produzir apresentações musicais, por exemplo.
Considerar as linguagens artísticas como um ato educativo em sua relação com a educação institucionalizada, torna-se uma experiência desafiadora no sentido de questionarmos o ensino das Artes Cênicas, da Música, das Artes Visuais e da Dança no âmbito do Ensino da Arte, uma vez que este ainda guarda o estigma de ser tomado como apêndice ou auxiliar de outras disciplinas tidas como nobres.
Os novos desafios desse ensino institucionalizado é poder ter as quatro linguagens artísticas num mesmo estabelecimento de ensino, podendo o aluno, ao longo de sua formação na Educação Básica, vivenciar experiências nas quatro linguagens artísticas, permitindo-lhe experienciar, fruir, contextualizar e criticar arte.
Pensamos as linguagens artísticas como uma referência para o Ensino da Arte na escola no sentido de permitir o vislumbre de um fazer arte crítico. Percebemos que a experiência com essas linguagens, na escola, pode contribuir para ampliar a capacidade dos alunos de dialogar, de tolerar, de conviver com a ambiguidade, de compreender a arte não apenas como apêndice para outras disciplinas ou como espontaneísmo, mas como disciplina desveladora de conhecimentos capazes de articular significados e valores que expressam as experiências e representações imaginárias das diversas culturas.
Pensamos que abordar essa complexidade denominada de Arte requer competência e conhecimento de sua possível articulação com a prática e compreensão da atividade pedagógica como atividade cultural, humana e historicamente situada na dinâmica das relações sociais e práticas cotidianas. À medida que repensamos a nossa prática também oferecemos aos nossos alunos a abertura de espaços para usar e experienciar o conhecimento em suas várias possibilidades. A teoria, dessa forma, vai sendo transformada em prática e vice-versa.
As reflexões aqui abordadas chamam-nos a pensar e superar o tratamento dado ao longo do processo histórico do ensino de Arte no Brasil em sua perspectiva histórico-linear, que tradicionalmente tem marcado o ensino de Arte na escola. Em seu percurso histórico, a Arte foi renomeada a fim de contemplar as produções, as criações, seguindo as tendências das pedagogias em vigor; no entanto é importante entender que esses diversos meios apresentados nos documentos oficiais que regulamentam o ensino de Arte são ferramentas e não condições para se alcançar o conhecimento em Arte.
Nesse sentido, o valor educativo da Arte na Educação Básica se destaca, na medida em que reconhece a Arte como componente curricular imprescindível na formação do sujeito e para o exercício da vida cidadã.
Marcilio de Souza VieiraFormado em Artes Cênicas e Mestre em educação pela UFRN. Professor da rede pública de ensino e pesquisador do Grupo de Estudos corpo e Cultura de movimento.

Projeto Nosso Canto


sexta-feira, 19 de abril de 2013

A pluralidade e o diálogo entre as religiões


A pluralidade e o diálogo entre as religiões



Percebe-se que nos últimos dez anos as grandes tradições religiosas vêm tomando consciência da necessidade de estabelecer relações mútuas que favoreçam a convivência harmoniosa entre elas. Os contextos de globalização, e de comunicação, bem como as relações internacionais promovem a imigração de pessoas qualificadas em diversas áreas, no Oriente e Ocidente, e facilitam a integração de etnias e religiões.
Esta realidade trouxe um novo tema à Sociologia, à Antropologia e às Ciências da Religião: a coexistência cultural que, por sua vez, requer a prática do diálogo inter-religioso, introduzindo um cenário de diálogo entre as diferentes religiões no espaço brasileiro, tanto no âmbito do ensino religioso como na convivência social.
Estabelecer a “unidade na diversidade e diversidade na unidade” era uma perene inquietação dos filósofos indianos desde os tempos antigos. Devido às invasões estrangeiras, desde os arianos até a colonização inglesa, os indianos aprenderam a conviver com o diferente e essa convivência se reflete na arte, música, dança e na comida[1]. O Egito antigo e o mundo hebraico do Antigo Testamento também experimentaram essa realidade religiosa diversificada, mas não tiveram a mesma sorte da convivência pacífica. A história medieval também nos mostrou as guerras e a tendência de estabelecer a supremacia de uma religião sobre a outra. A atitude de subjugação de uma crença gerou desconfiança entre povos de diferentes culturas e possibilitou as atividades missionárias incessantes a fim de converter as pessoas para uma outra religião. O ‘diverso’ foi esquecido e a reflexão atual nos leva a lançar o olhar para este diverso, conferindo-lhe importância e integrando-o dentro das múltiplas dimensões da vida humana.
Apresentaremos neste artigo brevemente as causas básicas dessa pluralidade religiosa, e como essas causas construíram universos religiosos diferentes e por fim veremos de que forma essa diversidade seria uma riqueza para construir as novas perspectivas para uma vivência harmônica na diversidade existente entre as etnias e culturas.

Pluralidade, condição do saber humano

O fator geográfico é a leitura chave para o entendimento da pluralidade encontrada nas culturas, etnias e religiões. A própria terra apresenta as regiões de maneira diversa, como por exemplo: floresta, terra fértil, litoral, deserto e montanha. Cada uma proporcionando maneiras de ver, sentir e agir diferentes. Encontramos modos diversos de ver o mundo, de significar a vida e de formar comunidades. A diversidade cultural pode ser analisada sob o viés antropológico, devido a própria condição humana, que varia conforme o meio geográfico onde se encontra. O habitante do deserto, por exemplo, adquire características diferentes de quem vive em terra fértil. Cada povo se adapta à sua realidade e essa construção em múltiplas dimensões chama-se cultura e, por sua vez, encerra a religião.
Dentre as inúmeras definições de cultura, recorremos à do antropólogo E.B. Tylor, no livro Primitive Culture, citado por Thomas H. Eriksen e Finn S. Nilson (2007, p. 35): “Cultura, ou civilização, tomada no sentido amplo, etnográfico, é o complexo que inclui conhecimento, crença, arte, moral, lei, costume e quaisquer outras capacidades e hábitos adquiridos pelo homem como membro da sociedade” (TYLOR 1958 [1871], p. 1).

Ver e ouvir a presença do divino

Se as condições geográficas inspiraram as culturas, também os universos religiosos surgiram da experiência empírica dos povos, influenciados pela natureza. As experiências empíricas do universo religioso das regiões do deserto e da terra fértil dominaram o mundo e constituíram seus próprios modos de construir a religião. Enquanto a terra fértil enfoca o ato de ‘ver’, o deserto afirma o ‘ouvir’.
No Oriente, por exemplo, a China e a Índia, situadas em regiões férteis, elaboraram a partir das experiências agrícolas os conceitos religiosos como a reencarnação e a teoria do carma do Hinduísmo; dukha e samsara do Budismo e o caminho natural das religiões chinesas.
Por outro lado, o Judaísmo, o Cristianismo e o Islã, originados no deserto, dão ênfase ao firmamento e localizam Deus nos céus distantes, diferente do Deus mais próximo e imanente encontrado nas religiões orientais. Isso se deve ao fato de que, como diz Gheorghiu: “os nômades do deserto vivem entre dois infinitos desertos. O infinito da areia, a seus pés, e sobre si o infinito azul do céu” (GHEORGHIU, 2002, p. 12). Essa experiência empírica deve ter influenciado fortemente a construção do conceito de ressurreição, que não existe nas religiões do Oriente.
É notável a diferença na linguagem do conteúdo religioso. As teologias oriundas da terra fértil se expressam mais pela imagem, que é elemento primordial da espiritualidade e constitui, talvez, a mais antiga simbolização humana da presença do divino. No ‘ver’ está compreendida uma expressão popular da terminologia hindi, a língua nacional da Índia: Darsan déna e darsan léna (ver a divindade e ser visto por ela).
A cosmovisão do deserto, por sua vez, firmou-se mais na palavra e na poesia, pois o deserto não oferece variedade de imagens, por isso toda a esperança de vida é investida no céu, seja ele azul ou estrelado. O ser divino é considerado como Palavra, portanto o desenvolvimento da espiritualidade dessas tradições religiosas parte do ato de ouvir.
Ao longo dos séculos, por meio das migrações, os universos cultural-religiosos se encontraram e confrontaram suas diferenças, o que provocou tensões e até conflitos. Cada religião pensava ser mais verdadeira do que a outra e tentava difundir sua mensagem em ambientes culturais diversos da própria origem. A observação do resultado dessa missionariedade leva a três conclusões:
a) uma crença original assume diferentes faces em função da cultura na qual é inserida;
b) em uma cultura religiosa dominante, a crença reveste-se das características da religião dominante;
c) em uma cultura submissa, a crença impõe as suas características (ANDRADE, 2007, p. 223).

Nova convivência religiosa

A atual coexistência pluralista oferece novas formas de compreensão das tradições religiosas. Portanto a experiência do pluralismo religioso se torna um apelo à descoberta e à afirmação da própria identidade. Diz Paul Knitter: “Para trilhar nosso próprio caminho de fé, precisamos caminhar com pessoas de diferentes caminhos” (KNITTER, 2002, p. xi). Dez anos antes de Knitter, Bede Griffiths já havia alertado para a dimensão plural do caminho religioso: “além de ser cristão, eu preciso ser um hindu, um budista, jainista, zoroastrista, sikh, muçulmano e judeu. Só assim poderei conhecer a Verdade e encontrar o ponto de reconciliação em todas as religiões” (GRIFFITHS, 1992, p. 83). Ou como Raimon Panikkar descreve sua trajetória, após sua formação acadêmica nas universidades indianas e americanas: “Eu ‘parti’ como cristão, ‘encontrei a mim mesmo como hindu, e ‘retornei’ como budista, sem nunca ter deixado de ser cristão” (KNITTER, 2002, p. 126).

Contexto atual: harmonia entre uno e diverso

O mundo contemporâneo enfrenta dificuldade em descobrir o significado do todo, devido à automatização e o individualismo da vida moderna. Temos muita pressa, e nossa vida gira na órbita do utilitarismo, o que nos faz pessoas fragmentadas, capazes de vivenciar apenas frações do universo em que nos inserimos.
A experiência do ‘nós’ fundamenta toda comunicação humana, pois aponta para um envolvimento em múltiplas dimensões: família, grupo étnico, cultura, religião, sociedade... Ao Ensino Religioso importa conhecer os mecanismos utilizados para obter uma visão do todo. Sabemos que nenhuma religião possui a visão total de Deus. A grandeza divina é revelada através de fragmentos. E quando um fragmento se encaixa com outro e unimos os nossos pontos de vista nos aproximamos do todo.
A abordagem proposta pelo Ensino Religioso é uma forma de unir diversos pontos de vista de uma única realidade. Cada parte dessa diversidade é completa em si e por si, no seu contexto. Mas quando confrontada com a totalidade, encontra-se como um fragmento. Justamente esse confronto possibilita a experiência do diálogo inter-religioso. Qualquer ensino, seja religioso, cultural ou individual, necessita de um movimento. No âmbito pessoal, sair de si em direção ao outro e no âmbito cultural sair de uma cultura em direção à outra.

Conclusão

Para concluir, gostaria de apresentar uma pequena fábula dos gurus indianos que trata do objetivo de todas as religiões.
Em uma aldeia havia um mestre religioso, que falava sobre o propósito das religiões. Um dia uma grande multidão, formada por diversas tradições religiosas, reuniu-se para escutá-lo. Então um homem na multidão lhe perguntou. “Mestre, qual é o objetivo de todas as religiões?” O mestre lhe respondeu: “como a água tem sua fonte no topo da montanha e ela transforma-se em diversos rios fluindo até ao mar, da mesma forma o único Deus é visto por diversos ângulos pelas pessoas diferentes. Assim as diversas religiões são criadas ou fundadas pelos seres humanos, mas cada religião tem um propósito de chegar a um único Deus. Somente as regras é que são diferentes".
 


[1] Observe-se essa convivência na Índia na fusão da arte persa e hindu no monumento Taj Mahal; no nível da arte, no monumento Taj Mahal encontra-se a arte persa e ao mesmo tempo a arte hindu; na música, uma fusão entre hindu e árabe e, por fim, na comida, onde encontram-se todos os sabores em um prato só, apontando para uma integração de todas as culturas tanto as nativas como as invasoras.


Joachim Andradesacerdote natural da Índia, doutor em Ciências da Religião e Superior Provincial da Congregação do Verbo Divino no Brasil Sul.