quinta-feira, 10 de outubro de 2013

A importância da obra de Jorge Amado na televisão

A importância da obra de Jorge Amado na televisão

Jorge Amado é um dos maiores autores com adaptações da televisão brasileira. Foram e são verdadeiro sucesso como: Tieta do Agreste, Gabriela, Cravo e Canela, Teresa Batista Cansada de Guerra, Dona Flor e seu dois Maridos e Tenda dos Milagres. A obra de Jorge Amado conheceu adaptações no cinema, teatro e televisão, seus livros ganharam tradução em 55 países, e em 49 idiomas, além de ganharem adaptações em Braille e em fitas gravadas para deficientes auditivos.
Jorge Amado de Farias nasceu em 10 de agosto de 1912, em Itabuna, Bahia. Passou sua infância entre Salvador e sua cidade natal. Em 1918, é alfabetizado por sua mãe, em 1927, começa a trabalhar como repórter no Diário da Bahia e em 1931, é aprovado na Faculdade de Direito da então Universidade do Rio de Janeiro.
Em 1931, com apenas 18 anos Jorge lança seu primeiro romance, “O país do carnaval”, que recebeu elogios da crítica. O país do carnaval é um livro que conta a história de Paulo Rigger, um jovem filho de um rico fazendeiro, que passou sete anos em Paris estudando direito e ao retornar ao Brasil, passa osprimeiros dias no Rio de Janeiro e tenta compreender que a festa popular serve para manter o povo alienado. Esse baiano usou as palavras para expor seus sentimentos, as injustiças e as mazelas sofridas pelo povo brasileiro, lutando sempre por uma sociedade e um mundo mais justo e fraterno.

Jorge usava o poder da literatura para denunciar os problemas sociais, econômicos, políticos, como a desigualdade, injustiça e a truculência dos coronéis do nordeste. Esse jogo de poderes é que fez Jorge um revolucionário voraz, sempre lutando para dar ao seu povo mais esperança e dias melhores.
Um homem muito sensível, mais preocupado com o futuro do país e de seu povo. Em uma viagem para Maceió, especialmente para conhecer Graciliano Ramos , (autor de Vidas Secas, Caetés, Angústia e São Bernardo), Jorge conhece as ideologias do comunismo e acaba se filiando no partido (PCB), Partido Comunista Brasileiro.
Jorge é visto por muitos como um revolucionário, em 1932 sensibiliza com as fortes desigualdades sociais do país, passa a fazer parte do Partido Comunista Brasileiro (PCB, fundado em 1922, o partido mais antigo do Brasil ainda em atividade).


Por que a literatura de Jorge Amado faz sucesso também na televisão?
Jorge Amado bateu o recorde de vendas e só foi superado por outro grande autor em número de vendas, apenas por Paulo Coelho. Mas, seu estilo literário romântico ganhou fascinação no imaginário de seus leitores; tamanha importância possuía a literatura de Jorge Amado.
Sua literatura é importante para seu leitor como é também para televisão, teatro e cinema. Quem não tinha a oportunidade de ler seus livros, tinha a oportunidade de sentir o sabor de ver no teatro, cinema ou na televisão a sua obra ganhando vida na interpretação dos artistas. Os artistas transmitia para o telespectador aquilo que estava no imaginário de Jorge Amado.
Os personagens de Jorge Amado carregam as características do povo brasileiro, um povo sofrido, humilde, honesto, mas acima de tudo trabalhadores, isso fica bem claro na personagem Tieta. Ao ser expulsa de casa pelo pai, ela vai morar na cidade em busca de trabalho, moradia e comida; Tieta se prostitui e depois de um tempo, torna-se cafetina em São Paulo, razão de sua riqueza e de seu elo com poderosos, apesar de ter um conflito com seu pai, Tieta nunca se esqueceu da família, ao retornar a terra natal com dinheiro e influência política, traz para sua comunidade e família benefícios como a instalação da luz elétrica.
O que chama mais atenção nessa personagem, é sua simpatia, humildade e a sensualidade feminina em uma época de muita discriminação, onde mulheres eram vista pela sociedade como submissão ao mundo machista. Tieta com toda modéstia, sobe virar o jogo e dar a volta por cima mesmo tendo que vender seu corpo.
Jorge Amado transporta o leitor do plano literário para o visual, oferecendo-lhe a oportunidade de materializar o que antes fora concebido apenas em sua imaginação.
O telespectador deslumbra-se ao ver seus personagens “vivos” em cena, suas paisagens com todas suas cores e vigor, suas paixões e desilusões.
O público, ele não assiste apenas, mas naqueles instantes em que está conectado com seu aparelho e vivencia a obra juntos com seus personagens, chegando até a interagir com eles. Participando de conversas, oferecendo-lhes conselhos e em alguns momentos respondendo a indagações diversas. 
Cria-se um elo entre telespectador e seus personagens como se esse fosse parte de sua realidade. O vínculo entre personagem e telespectador torna-se tão familiar que em algumas vezes é mais fácil crer no que é assistido do que no que é vivenciado em sua realidade.
É neste ínterim que o discurso político de Jorge Amado em muitas de suas obras como “Capitães de Areia”, “Tenda dos Milagres” e “Teresa Batista Cansada de Guerra” ganha força. Sem perder a linha poética Jorge Amado introduz a veracidade aos seus personagens em um contexto social que em muitas vezes estes não vivenciam e não terminam com um final feliz.
Em Capitães de Areia, podemos ver a coragem das crianças desprovidas de qualquer amparo social, largadas ao destino inserto e que vão ser marginalizadas. A trajetória dos meninos, que enfrentam os representantes do poder e roubam os ricos para repartir entre os pobres o produto do roubo entre os companheiros pobres e abandonados.
O Mar Morto conta a história de um jovem mestre de saveiro, Guma é um apaixonado, e como todo pescador e religioso. Sai para pescar deixando a família, mais o que chama a atenção não é só o fato de deixa a família e também a religião afro “candomblé” o destino dele está entrelaçado com o passado, ou seja, traçado a outras gerações. O mito em torno que é contado, o homem que vai para o mar pescar ele é levado por Iemanjá .
Publicado em 1969, Tenda dos Milagres é uma obra que trata da questão racial, miscigenação e o preconceitos estabelecido pela classe dominante. Na Revista de História da Biblioteca Nacional, segundo os autores Jeferson Bacelar e Cláudio Pereira na p. 69, “Na opinião de alguns, o recurso para construir essa nação mais civilizada seria embranquecer a população. E, para isso, o melhor era trazer os europeus adequados, de preferência os italianos e os portugueses, capazes de se integrar facilmente à população brasileira”. Esse diálogo com as teorias da identidade nacional é explorado em máxima potência. O personagem principal, Pedro Archanjo, transita entre teorias populares e eruditas, ele é o intelectual do povo afrodescendente da Bahia. Pedro percorre Salvador para combater os preconceitos sofridos pelo povo negro, frequentando terreiros de candomblé para não deixa enfraquecer o ânimo dos perseguidos e evitar a polícia e a elite racista.
Outra obra que nos mostra a violência não só física e também sexual, a questão racial, social e, a submissão do povo diante da dominação da elite racista contra a mulher é  Tereza Batista Cansada de Guerra, conta a história de uma menina de treze anos, que foi vendida pela tia a um capitão pedófilo e brutal. Depois de ser violentada ela é mantida em cativeiro. Com o passar do tempo, Tereza Batista, assim como em outras personagens feminina de Jorge Amado, reúne outros atributos como a sensualidade, coragem, valentia de não querer ver homens violentando e nem agredindo a mulher.
Podemos encontrar esse ingrediente em essência na obra Tereza Batista. Quem ao ler o livro não indigna-se com a situação de Tereza e ao ver esta obra adaptada para televisão não sofre com o olhar de desespero e tristeza de Tereza Batista ao ser aliciado por seu comprador.  
Milhares de mulheres identificaram-se com sua personagem, heróica e que tiveram a coragem de mudar o rumo de sua vida baseada na minissérie transmitida pela televisão. Muitas talvez, nem eram alfabetizadas e tiveram a oportunidade de compreender a obra através da televisão.
Tereza Batista faz a releitura da mulher sofrida, subjugada, mas que não se rendeu e não desistiu de lutar pelos seus ideais, a menina que foi vendida pela tia e violentada pelo seu dono, amadureceu precocemente, e do modo mais doloroso, a menina tornara doce, amada, simpática, valente e decidida.

O escritor comunista
Não podemos deixar de salientar que no “O país do carnaval” as questões do preconceito e a liderança das classes dominantes, são muito fortes e pertinentes. Um jovem estudante de direito, filho de um produtor de cacau, passou sete anos na Europa ao voltar para o Brasil, se junta com intelectuais para discutir as questões em que o país está vivendo. Estás questões tem a ver com o atraso do país, devido à mestiçagem brasileira, isso fazia com que o Brasil não evoluísse.
Nota-se que Jorge Amado teve a preocupação de expor em suas obras as questões raciais, desigualdade, injustiça, a violência física e sexual, política, religião e a miscigenação que no século XIX a classe dominante da época, usava o discurso racista e preconceituoso para construção de uma nação. Jorge Amado teve a preocupação de tratar em seus romances assuntos tão enfáticos em uma época tão opressora. Tamanha ousadia tinha esse escritor nordestino, ao tratar de questões como eugenia, racismo, opressão, desigualdade, religião, política etc.
O que fica claro na literatura e no romantismo de Jorge Amado, é o fato de transmitir através da escrita romântica e poética, as reivindicações e direitos do povo negro. Esse revolucionário literário de “esquerda”, que pretendia através de seus livros fazer uma transformação mais profunda das estruturas políticas e sociais do Brasil, mostrando para a população as ideias comunistas através de seus personagens, levando uma ideologia revolucionária.
Isso fica bem claro em todas as obras de Amado, seus personagens carrega a valentia, coragem e a dignidade do nordestino. As suas obras enriqueceram a televisão brasileira, ao retratar fatos da realidade. Já é sabido que ele vivenciou muitos fatos que escreveu; como Capitães de Areia, em que conviveu com os meninos nas ruas de Salvador, para saber como era a vida e as dificuldades que estes passavam.


O representante nordestino
Jorge Amado abusa do contraste, entre a pobreza do homem castigado pela seca do nordeste e a leveza da brisa e do som das ondas do mar. Quem, não se delícia ao ver, as paisagens do litoral nordestino, não afaga os pés ao ver as dunas do Abaeté como se sentisse a areia tocar aos pés, não enche a boca de água ao ver Gabriela com seu tabuleiro de quitutes desfilando pelas imaginárias ruas de Ilhéus. Ele consegue sintetizar todos esses sentimentos brandos e graves num mix de emoções transmitindo a realidade do homem nordestino sem perder o seu encantamento.
No seu jeito particular de escrever, valorizava a figura feminina no seu romance, e no vocabulário regional que continham palavras obscenas, sempre voltadas para mostrar a vulgaridade em suas personagens femininas, mas não esquecendo a sua crítica e nem deixando de dar seu ar de cinismo.
Ao escrever suas obras, a ênfase na literatura regionalista é muito forte, podemos citar algumas como: Tieta, Gabriela e dona flor e seu dois maridos; portanto, Jorge Amado é considerado o representante do modernismo regionalista, possui uma característica pessoal ao escrever e por isso suas obras são tão importantes para a dramaturgia brasileira. O público não só se diverte com sua literatura, mas também, se identifica com seus personagens, sempre procurando algo para ser mais brasileiro e regionalista.
Para entendermos melhor o fascínio da obra de Jorge Amado permitimo-nos fazê-la também como um mero mestre de obras quando recebe uma planta das mãos de um engenheiro. Precisamos primeiro: compreendê-la, apreciá-la, imaginar quais materiais seriam necessários para erguer a grande obra. Partir do simples para o complexo e vice-versa. As obras nos fascinam exatamente por sua simplicidade, que esconde por trás da sua genialidade um refinamento, que por muitas vezes só fazem compreender-se em imagens, podemos citar algumas partes dessa engrenagem e reduzi-las em pequenos núcleos par compreende-las melhor.
Em todas as obras vemos uma convergência de sentimentos e valores que são sempre lembrados como: coragem, amor, ódio, preconceito, homossexualismo, compaixão, fraternidade, ambição, inveja, ciúmes, poder, honra, liderança, tragédia e uma sexualidade intensamente aflorada.

O autor teve a genialidade de introduzir em seus textos a ânsia social e o discurso “velado” sobre a política em momentos dos quais não era possível se falar abertamente sobre o assunto. Façamos agora um breve desmembramento para degustarmos um pouco mais a fundas partes desse todo.
Romance: tema este contido em quase todas as obras do autor reúne-se em essência em Tenda dos Milagres, assim como uma “Hydra” grega, essa obra faz parte de um só corpo, porém com várias cabeças. Ela consegue reunir em si todos os principais temas presentes na obra do autor desde a cultura erudita à cultura popular, exaltação da cultura afro-brasileira, crítica à política e como não poderia faltar o amor.


O bom Baiano
Ele traz no papel do mulato Pedro Arcanjo a ânsia dos “novos baianos ,” brasileiros negros que iniciam o século XX se fundindo a um novo contexto social. Tentando deixar os estigmas do negro escravizado para trás, e o inserindo como parte integrante desse novo contexto social. Abusado, infiltra-se no meio acadêmico para encontrar uma espécie de “vacina” social. Tentando encontrar a cura para uma sociedade preconceituosa, que destilava seu veneno, carregando ainda traços do Brasil colonial.   
Coragem: a pimenta malagueta diretamente desembarcada nos portos baianos, é um ingrediente contundente e explícito nas obras de Jorge Amado, ele se mostra em muitas de suas obras e diz sem delongas a que veio.
Política: quantos telespectadores identificaram-se com os personagens de Gabriela, cravo e canela políticos da sua região, seu município, seu Estado e do nosso país?

Vários, com seus desmandos suas engenhosidades, sua sede de perpetuarem-se no poder. Quantos telespectadores retorceram-se em seus sofás com ódio de Tonico Bastos e seus mandos e desmandos, indignaram-se pelo machismo exacerbado dos homens de Ilhéus, vendo em seus próprios lares compatibilidade com os personagens.
O machismo muitas vezes ferido e lavado à custa do sangue de crimes passionais. Cenas estas que quando entram em nossos lares por nossos aparelhos de televisão ora tomam o ar de advertência ora não.
Quem não se apaixonou ao ver ganhar vida na imortal Sonia Braga, com olhar doce e voz aveludada sua personagem que ficará para sempre em nossa imaginação. A televisão nos permitiu essa façanha registrar em nossa memória, algo que vai além das palavras.
A graça hilariante que é esbanjada nessa obra faz o telespectador, viajar no imaginário ou buscar no passado momentos tão especiais e reviver sua adolescência assistindo ou lendo os livros de Jorge amado.
Fartar-se de rir em vários episódios adaptados do livro para televisão, um dos pontos altos é quando o professor Josué veste-se de mulher para fugir de um flagra do Coronel da amante Glória sua manteúda.
Inclusive essa obra por sua versatilidade e adaptação torna-se atemporal, a provar que já foram duas releituras para a televisão não impedindo que haja, mas sempre consagrando seus personagens por sua graça e ousadia.

O que percebemos de todas as leituras feitas das obras de Jorge Amado foi que ele se fez um expoente da cultura popular, procurando mostrar através de suas obras a nossa diversidade e nossas origens. A ênfase que ele remete ao povo negro não é apenas para exaltar e sim para colocar a cultura afro-brasileira num patamar de igualdade com todas as demais raças que compõem nosso país.
Portanto, os seus personagens por mais oprimidos e humilhados nunca desistiram de se recompor, de dar a volta por cima e recomeçar. Assim como os negros trazidos da África, humilhados, castigados e oprimidos não desistiram de tornarem-se livres e reconstruir sua história longe de suas raízes. Lutaram e lutam até hoje por suas garantias e por uma participação mais efetiva na sociedade.
Em suma, com toda a seriedade embutida no discurso das críticas sociais, políticas, raciais e culturais, Jorge Amado não pode deixar de lado, sua face irreverente e graciosa de ser, seus trabalhos os quais inúmeras vezes nos fizeram pensar, lutar pelos nossos direitos e sempre acreditar em um país mais justo, igualitário e menos desigual.

Charles Dalan Jesus dos Santos - Professor de História, Poeta, Ator, Dramaturgo.

O que vai ficar depois que a "banda" passar?

Havia um país cuja população desejava muito ver a “banda” passar. E ela, a modos e tempos diversos, se apresentava. Porém, chegou o dia em que um grupo entendeu que mais gente podia ou devia participar da banda comomembro ativo. Foi então que, utilizando os recursos disponíveis, aliás, já disponíveis a muitos, resolveu fazer a articulação. Tal mobilização não foi difícil nem demorada, pois um grande número de pessoas estava na “rede” e, em seguida, milhares se foram às ruas. Em princípio era para tocar uma determinada “música”. Porém, rapidamente a banda ganhou corpo e aí mesmo, na rua, foram sendo ensaiadas e executadas várias outras músicas.
Ao toque de “vem pra rua”, cada um tomou seu “instrumento”, saiu às pressas e pôs-se a tocar. Ocorre que havia instrumentos afinados e outros dissonantes; uns emitiam sons num mesmo ritmo e compasso e outros foram apresentando sua própria composição no tom e ritmo de livre escolha. Alguns, inclusive, ao invés de tocar, puseram-se a quebrar em público seu instrumento e o dos outros. E, a olhar para o que estava em curso, alguns diziam: Nestagrande banda tudo parece válido, ou seja, tanto a música quanto a bandalheira. Outros tantos se puseram a fazer imediatas análises e interpretações, afirmando: Isso é um perigo iminente, pois não há um maestro, um líder – ao menos não em destaque – podendo a massa, descontroladamente, tocar qualquer estilo musical ou emitir toda sorte de ruído.
Enquanto a banda está passando, tudo é possível e pouca coisa é previsível. Nesse ambiente, podem surgir uns e outros a dizer: Vamos todos tocar essa ou aquela música, com este ou aquele ritmo e tonalidade. Diante disso, tanto pode haver concordância quanto reação contra o propositor, com desdobramentos variados. Em tais circunstâncias, também há possibilidade de que surjam outros “maestros” com outras proposições musicais. Se isso ocorrer e houver um mínimo de organização, a grande banda poderá se segmentar em várias bandas menores (com suas bandeiras), o que talvez seja muito interessante. E ainda mais o será se cada grupo conseguir uma boa afinação e um bom repertório, o que, certamente, exigirá vários ou muitos ensaios.

Esse país em referência pode ser o Brasil, em junho de 2013. O mês, em si, é carregado de composições folclóricas e festivas que se exprimem em todo território nacional. Ocorre que, além das festas, houve e há lutas e reivindicações justas, legítimas, democráticas e necessárias. Mas, no mesmo “concerto” verifica-se também violência e depredação do patrimônio público e privado. Há banda e bandalheira, música e barulho, fumaça e fogo, ordem e desordem. Tudo simultaneamente e com transmissão espetacularizada, em tempo real, pela grande mídia que também dá o seu tom. Na lógica de que não há mudança da música ou da dança sem o necessário questionamento ou subversão da ordem vigente, a questão é saber como proceder para que o resultado da ação seja melhor do que a (des)ordem existente.

As manifestações sociais que eclodem pelo país derivam de um fenômeno mais amplo, cuja matriz estruturante é a condição pós-moderna associada às profundas contradições do sistema capitalista. É inegável que, não obstante os múltiplos avanços sociais havidos nos últimos anos, o Brasil ainda segue tendo índices muito aquém do desejado na área da educação, da saúde, do transporte, da ética na política, etc. Os movimentos sociais são prova disso na medida em que sua ocorrência revela a existência de algum tipo de problema, demanda, carência ou direito negado. Eles “são a mensagem daquilo que está nascendo. Eles indicam uma transformação profunda na lógica e nos processos que guiam as sociedades complexas. Como os profetas, ‘falam à frente’, anunciam aquilo que está se formando sem que ainda disso esteja clara a direção e lúcida a consciência” (MELUCCI, Alberto. A invenção do presente: movimentos sociais nas sociedades complexas, 2001).


No contexto da ditadura militar no Brasil, surgiram formas de manifestação reativas ao poder repressivo, que se consolidaram em movimentos sociais, organizações populares (civis e eclesiais), sindicatos combativos, partidos políticos de esquerda e instituições diversas, responsáveis pela conquista de muitos direitos. Entre aquele período e hoje há continuidades e descontinuidades. Das continuidades que parecem evidentes está a consciência de que somente através da luta é possível conquistar direitos e qualificar a democracia direta sob o ponto de vista social, político e econômico. Das diversas descontinuidades, uma chama atenção: a dificuldade de aceitação das bandeiras de movimentos sociais, sindicais e políticos nas atuais manifestações. Referidos movimentos (com suas bandeiras) teriam agora perdido o sentido, a legitimidade e a razão de ser?

É difícil saber para onde vai a banda que está passando. Todavia, no momento em que passa é possível incorporar-se a ela, ficar na arquibancada ou apenas acompanhar à distância. No calor dos acontecimentos permanecem indagações como: Após a passagem da grande banda, teremos os atuais movimentos sociais mais fortalecidos e, junto com eles, outros novos ou novíssimos movimentos? Ou, ao contrário, tudo voltará ao fugaz, difuso e “liquidificado”, ao gosto da pós-modernidade? Ou, diferente ainda, tais manifestações serão apropriadas por maestros com tendências nacionalistas, golpistas e extremistas, como temem alguns? Por ora, ao analista somente parece claro que tudo está muito escuro e ambíguo. Muitas coisas ficarão esclarecidas depois que a “banda” passar. Mas, será salutar que passe ou que permaneça? De todo modo, não nos esqueçamos de que, se desejamos um repertório democrático com mais justiça social, ética e cidadania, nossa luta é todo dia !

Dirceu BenincáDoutor em Ciências Sociais e Coordenador Administrativo da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) - Campus Erechim.