quarta-feira, 29 de maio de 2013

Devem os pais intervir nas escolhas dos filhos?

Devem os pais intervir nas escolhas dos filhos?

Por escolha, refiro-me à escolha afetiva e à escolha profissional, entendendo-as como indissociáveis da vida como cultura e como humanidade. Deixando as escolhas para os filhos, não nos isentamos de educálos, mostrando que os seres humanos, ao contrário dos animais, reinventam e escolhem, de certa forma, a vida que querem levar.
E como podemos inventar e escolher, também podemos nos enganar, como alerta o professor de filosofia, o espanhol Fernando Savater, em sua obra Ética para meu filho. Muitos pais esforçam-se para ensinar suas crianças, desde pequenas, que há coisas importantes e outras nem tanto assim. Savater diz que é possível viver sem astronomia, marcenaria, e até mesmo sem saber escrever ou ler, mas não é possível ignorar que certas sabedorias convêm à nossa sobrevivência. Por exemplo, pular do sexto andar, beber um veneno, arrumar muitos inimigos, não saber o que comer são coisas que não nos fazem bem a não ser que sejamos suicidas. Porém há outras dimensões da vida que nos impõem escolhas e, portanto, algumas confusões. São as dimensões ligadas aos valores, à nossa formação e estão ligadas aos costumes e à cultura ou à ordem de nossa sociedade. Os pais estão presentes no ensino dessas duas dimensões.
Educar para a autonomia
Somos livres para escolher, diz Savater ao seu filho de 15 anos, Amador. Mas não escolhemos onde nascemos, nem escolhemos nossos pais. Somos livres para tentar escolher algo. E isso pode ou não dar certo. “Há coisas que dependem da minha vontade (e isso é ser livre), mas nem tudo depende de minha vontade (senão eu seria onipotente), pois há outras vontades e muitas outras necessidades que não controlo conforme meu gosto”.
Os pais podem ajudar seus filhos a escolher estudar quando a preguiça sobrevém. Podem desbastar alguns caprichos (como não ir à escola, não tomar os remédios, não comer corretamente). Podem ajudá-los a tomar decisões. Devem, sobretudo, diz outro filósofo, Olivier Reboul, “educar uma criança para que ela vá mais longe, não apenas para ser um trabalhador e um cidadão, mas um homem que seja capaz de compartilhar e comunicar-se com certas obras e as pessoas humanas”. Devemos despertar a inteligência e a personalidade da criança para permitir que ela seja alguém por ela mesma. Isso se chama autonomia, educar para a autonomia. E assim ela será mais livre para fazer suas escolhas, acertar ou assumir os erros.
O amor que educa
Para Reboul, a família deve educar para formar os sentimentos, partindo da transformação das pulsões. Ou seja, a educação dos limites. A função da família está mais para contentar-se com o amor do que para com o ensino de conteúdos escolares. O amor da família, diz Reboul, às vezes pode ser tempestuoso e cruel, mas é nessa ocasião que a criança se compreende como ser insubstituível. Esta educação é proveitosa tanto para os pais, mães quanto para os filhos; é a “educação permanente”.
O aprendizado das emoções leva-nos, afirma Savater, a “ser capaz de prestar atenção em si mesmo, pois isso é requisito para ter capacidade de prestar atenção aos outros”. Quando escolhemos as coisas para nossos filhos ou a nossa intervenção é muito brutal nas suas escolhas, podemos criar seres imbecis. Savater brada ao seu filho Amador: “Sabe a única obrigação que temos nessa vida? Não sermos imbecis. Você não vai acreditar, mas a palavra imbecil é mais substanciosa do que parece. Ela vem do latim, baculus, que significa bengala”.
A essência da escolha é a liberdade e a essência da liberdade é a responsabilidade. São caminhos que consistem em se construir, se definir e se inventar. Ao escolher o que eu quero, vou me transformando pouco a pouco. São decisões próprias, contraindo o vício de viver bem. Com o empurrão dos pais, é claro, sabendo que viver não é uma ciência exata, é uma arte, como bem nos fala o filósofo Savater.
Marta Belliniprofessora na Universidade Estadual de Maringá, PR, Departamento de Fundamentos da Educação.

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