terça-feira, 18 de setembro de 2012

CONCEITO DE IDEOLOGIA




É difícil encontrar na ciência social um conceito tão complexo, tão cheio de significados, quando ao conceito de ideologia. Nele se dá uma acumulação fantástica de contradições, de paradoxos, de arbitrariedades, de ambiguidades, de equívocos e de mal-entendidos, o que torna exatamente difícil encontrar o seu caminho nesse labirinto.
O conceito de ideologia vem de Marx: ele simplesmente o retomou. Ele foi literalmente inventado (no pleno sentido da palavra: inventar, tirar de cabeça, do nada) por um filósofo francês conhecido, Destutt deTracy, discípulo de terceira categoria dos enciclopedistas, que publicou em 1801 um livro chamado Elements d' Ideologie. É um vasto tratado que, hoje em dia, ninguém tem paciência de ler. Para se ter uma ideia do pouco interesse que representa esse livro, basta dizer que, para ele, ideologia é um sub-capítulo da zoologia. A ideologia, segundo Destutt de Tracy, é o estudo científico das idéias e as idéias são o resultado da interação entre o organismo vivo e a natureza, o meio ambiente. É portanto, um sub-capítulo da zoologia – que estuda o comportamento dos organismos vivos - no que se refere ao estudo do relacionamento dos organismo vivos com o meio ambiente, onde trata da questão dos sentidos, da percepção sensorial, através da qual se chegaria as ideias. É por esse caminho que segue a análise, de um cientificismo materialista vulgar, bastante estrito, que caracteriza essa obra de Destutt de Tracy.
Alguns anos mais tarde, em 1812, Destutt e seu grupo, discípulos de todos do enciclopedismo francês, entraram em conflito com Napoleão que, em um discurso em que atacava Destutt de Tracy e seus amigos, os chamou de ideólogos. No entanto, para Napoleão, essa palavra já tem um sentido diferente; os ideólogos são metafísicos, que fazem abstração da realidade, que vivem em um mundo especulativo.
Deste modo, paradoxalmente, Destutt e seus amigos, que queriam fazer uma análise científica materialista das ideologias, fora, chamados de ideólogos por Napoleão, no sentido de especuladores metafísicos e, como Napoleão tinha mais peso, digamos, ideológico, que eles, foi a sua maneira de utilizar o termo que teve sucesso na época e que entrou para o linguajar corrente.
Quando Marx, na primeira metade do século XIX, encontra o termo em jornais, revistas e debates, ele está
sendo utilizado em seu sentido napoleônico, isto é, considerando ideólogos aqueles metafísicos especuladores, que ignoram a realidade. É nesse sentido que Marx vai utilizá-lo a partir de 1846 em seu livro chamado A Ideologia Alemã. É esse o caminho tortuoso do termo: começa com um sentido atribuído por Destutt, que depois é modificado por Napoleão e, em seguida, é retomado por Marx que, por sua vez, lhe da um outro sentido. Em A Ideologia Alemã, o conceito de ideologia aparece como equivalente à ilusão, falsa consciência, concepção idealista na qual a realidade é invertida e as idéias aparecem como motor da vida real. Mais tarde Marx amplia o conceito e fala das formas ideológicas através das quais os indivíduos tomam consciência da vida real, ou melhor, a sociedade toma consciência da vida real. Ele as enumera como sendo a religião, a filosofia, a moral, o direito, as doutrinas políticas, etc.
Para Marx, claramente, ideologia é um conceito pejorativo, um conceito crítico que implica ilusão, ou se refere a consciência deformada da realidade que se dá através da ideologia dominante: as idéias das classes
dominantes são as ideologias dominantes na sociedade.
Mas o conceito de ideologia continua sua trajetória no marxismo posterior a Marx, sobretudo na obra de Lênin, onde ganha um outro sentido, bastante diferente: a ideologia como qualquer concepção da realidade social ou política, vinculada aos interesses de certas classes sociais.
Para Lênin, existe uma ideologia burguesa e uma ideologia proletária. Aparece, então, a utilização do termo no movimento comunista, que fala de luta ideológica, de trabalho ideológico, de reforço ideológico, etc. Ideologia deixa de ter o sentido crítico, pejorativo, negativo, que tem em Marx, e passa a designar simplesmente qualquer doutrina sobre a realidade social que tenha vinculo com uma posição de classe. Assim a palavra vai mudando de sentido, não só quando passa de uma corrente para outras, mas também no seio de uma mesma corrente de idéias: o marxismo. Há uma mudança considerável de significado entre, por exemplo. Marx e Lênin. 
Finalmente, há uma tentativa sociológica de por um pouco de ordem nessa confusão. Essa tentativa é realizada pelo famoso sociólogo KarI Mannheim em seu livro Ideologia e Utopia, onde procura distinguir os
conceitos de ideologia e de utopia. Para ele, ideologia é um conjunto das concepções, idéias, representações, teorias, que se orientam para a estabilização, ou legitimação, ou reprodução, da ordem estabelecida. São todas aquelas doutrinas que tem um certo caráter conservador no sentido amplo da palavra, isto é, consciente ou inconsciente, voluntária ou involuntariamente, servem a manutenção da ordem
estabelecida, utopias, ao contrário, são aquelas idéias, representações e teorias que aspiram outra realidade,
uma realidade ainda inexistente. Tem, portanto, uma dimensão crítica ou de negação da ordem social existente e se orienta para sua ruptura. Deste modo, as utopias tem uma função subversiva, uma função crítica e, em alguns casos, uma função revolucionaria. Percebe-se imediatamente que ideologia e utopia são duas formas de um mesmo fenômeno, que se manifesta de duas maneiras distintas. Esse fenômeno é a existência de um conjunto estrutural e orgânico de idéias, de representações, teorias e doutrinas, que são expressões de interesse sociais vinculados às posições sociais de grupos ou classes, podendo ser, segundo o caso, ideológico ou utópico.
Mannheim utiliza para esses fenômenos, para esse conjunto vinculado a posição das classes sociais, o termo "ideologia total". Deste modo, o conceito de ideologia, na obra de Mannheim, aparece com dois sentidos diferentes: ideologia total, que é o conjunto daquelas formas total, que é o conjunto daquelas formas de pensar, estilos de pensamento, pontos de vista, que são vinculados aos interesses, às posições sociais de grupos ou classes; ideologia em seu sentido restrito, que é a forma conservadora que essa ideologia total pode tomar, em oposição a forma crítica, que ele chama de utopia. Para se tentar evitar essa terminológica e
conceitual, eu acho que é útil tomar a distinção feita por Mannheim entre ideologia e utopia, mas se deve procurar outro termo que defina o que há de comum a esses dois fenômenos. O termo que me parece mais adequado para isso, e que proponho como hipótese neste momento é "visão social de mundo". Visões sociais de mundo seriam, portanto, todos aqueles conjuntos estruturados de valores, representações, idéias e orientações conjuntivas.
Conjuntos esses unificados por uma perspectivas determinada, por um ponto de vista social, de classes sociais determinadas. As visões sociais de mundo poderiam ser de dois tipos: visões ideológicas, quando servissem para legitimar, justificar, defender ou manter a ordem social do mundo; visões sociais utópicas, quando tivessem uma função crítica, negativa, subversiva, quando apontassem para uma realidade ainda não existente.
Vamos ver agora o que seria uma análise dialética de uma visão de mundo, de uma ideologia ou de uma utopia. Obviamente não vamos ver o que é o método dialético, vamos apenas dar algumas pinceladas bem sumarias. Começaremos por uma definição do método dialético que pessoalmente me parece muito agradável: "Eu sou o espírito que sempre nega, e isso com razão porque tudo que existe merece acabar". Quem utiliza esta expressão é o diabo de Goethe, quando se apresenta pela primeira vez a fausto. Para Goethe, ela não se refere apenas ao diabo, é uma forma de manifestação do espírito humano. Essa é uma boa definição, não só porque Goethe foi seu precursor, mas também porque o Fausto de Goethe pode ser considerado a primeira grande obra da dialética, anterior a Hegel. Isto porque, em sua formulação, encontramos pelo menos um elemento essencial do método dialético, que a categoria do movimento perpétuo, da transformação permanente de todas as coisas. A hipótese fundamental da dialética é de que não existe nada eterno, nada fixo, nada absoluto. Não existem idéias, princípios, categorias, entidades absolutas, estabelecidas de uma vez por todas. Tudo o que existe na vida humana e social está em perpétua transformação, tudo é perecível, tudo está sujeito ao fluxo da história. Pode-se dizer também que esse princípio dialético se amplia à natureza onde existe uma diferença entre a história natural e a história humana que está muito bem resumida numa fórmula do filósofo italiano Vico, que diz o seguinte: "A diferença entre a história natural e a história humana é que fomos nós que fizemos a história humana, mas não a história natural". Isso quer dizer que a história natural, por exemplo, a história do sistema solar, do desenvolvimento dos planetas, não foi obra humana, mas a história social, o desenvolvimento das civilizações, foi produto social da ação dos homens. Essa é uma particularidade da dialética histórica, e uma distinção fundamental da dialética que poderia existir na natureza.
Marx retoma essa idéia de Viço e da tradição historicista, inclusive essa sua passagem em O Capital. Isso não ocorre por acaso. Para Marx, esse elemento é um dos aspectos metodológicos essenciais na distinção de seu método e a economia política burguesa ou o positivismo (ambos tem uma perspectiva metodológica comum). Para Marx, aplicando o método dialético, todos os fenômenos econômicos ou sociais, todas as chamadas leis da economia e da sociedade, são produto da ação humana e, portanto, podem ser transformados por essa ação. Não são leis eternas absolutas ou naturais. São leis que resultam da ação e da interação, da produção e da reprodução da sociedade pelos indivíduos e, portanto, podem ser transformadas pelos próprios indivíduos num processo que pode ser, por exemplo, revolucionário. Esta é uma ideia da dialética e um seu princípio que, aplicado no terreno social, toma forma de historicismo, isto é, de afirmação da historicidade de todas as instituições, estruturas, leis e formas de vida social. É por isso que Gramsci, um dos principais marxistas do século XX, dizia que o marxismo é um historicismo radical, uma concepção para a qual todos os produtos da vida social são historicamente limitados.
Obviamente, esse princípio também se amplia às ideologias, ou as utopias, ou as visões sociais de mundo, Todas elas são produtos sociais. Todas elas têm que ser analisadas em sua historicidade, no seu desenvolvimento histórico, na sua transformação histórica. Portanto, essas ideologias ou Utopias, ou visões de mundo tem que ser desmistificadas na sua pretensão e uma validade absoluta. Uma vez que não existem princípios eternos, nem verdades absolutas, todas as teorias, doutrinas e interpretações de realidade, tem que ser vistas na sua limitação histórica. Esse é o coração mesmo do método dialético, é o primeiro elemento do método e da análise dialética. Nessa consideração radical da historicidade, da transitoriedade de todos os fenômenos sociais, o próprio marxismo tem que aplicar a si próprio esse princípio, tem que considerar a si mesmo em sua transitoriedade.

PROFº: ALEX VAZ

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